quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Regulagem do Snipe, versão do Luis Soubie, da NS

Muitas vezes me perguntam qual a regulagem do Snipe, como se houvesse uma formula mágica que independente de todos fatores, fosse uma verdade absoluta. Isso não existe. Tem-se opiniões e modos diversos de navegar, diferentes pesos, velas e condições físicas

O Snipe, mesmo sendo um barco relativamente pesado e com mais de 85 anos de idade, segue sendo um barco muito sensível a pequenos ajustes e por isso, tem que se adaptar permanentemente já que de outro modo, a melhor das regulagens pode resultar mais lenta que outra mais básica. Esta particularidade é o que, para quem corre mais na classe aprecia, porque o barco nos reponde com uma parte técnica muito desenvolvida quanto a regulagem;  é exigente na levada e por ser muito tático gera uma completa e interessante experiência de navegação.

O que mais aprecio no Snipe é que ele permite competir numa ampla faixa de idades e pesos, que podem ser compensadas com as regulagens, o que permite a um novo velejador obter uma velocidade aceitável quase de imediato. Pode-se relativamente rápido chegar a 98% da velocidade máxima, embora naturalmente, os 2% restantes requerem muitas horas de trabalho e dedicação.

Assim, tripulações que pesam entre 115kg e 160kg podem velejar de Snipe, obviamente, como dito antes, adaptando as distintas regulagens.

A primeira coisa, vale a pena esclarecer que o mastro utilizado  por quase todo mundo é o Sidewinder , na maioria na versão Gold. (1) Todas as regulagens e as velas de diferentes velerias estão desenvolvidas com base neste mastro. Quem tem mastros mais velhos, ou seja mais duros como o Cobra II ou moles como os Proctor ou Bruder, encontrarão diferenças  apreciáveis e deverão mudar algumas coisas.

Existem 3 ou 4 regulagens básicas e distintas no mundo, creio que a que uso seja a mais abrangente (all purpose). Os brasileiros usam menos tensão, as velas muito mais cheias  e o barco muito mais duro de levar, não usam mordedores porque é necessário levar as velas na mão, trimando o tempo todo, o que é muito esforço para a maioria. . De qualquer forma, ao velejar na  classe,  deve-se procurar entender que morder escotas  é sinônimo de freiar. Já os japoneses, ao contrário: são muito leves e usam vela muito plana, ficam constantemente pinchando(2).

Meu objetivo ao longo dos anos foi de simplificar as regulagens, e hoje creio que com qualquer regulagem razoável, ao se  velejar seriamente por seis meses a velocidade será ótima, porem sempre que começo uma temporada volto à “base”.

Outra coisa importante é entender que há regulagens que são mais velozes, porem só se tiver muito treinado e velejando muito, já que requer uma timoneada e um ajuste fino e constante do conjunto da tripulação, e que utilizada por alguém sem o devido treino não serão rápidos e sim muito mais lentos. Por exemplo, eu no começo da temporada até entrar no ritmo uso uma regulagem mais relaxada, parecida com a que lhes mostrarei a seguir, um pouco mais tensionada, e ao final da temporada estou em geral mais perto dos extremos; difícil de velejar e com muita tensão. No ano de 2011 corri 122 regatas em 19 campeonatos e terminei usando uma regulagem muito veloz que dependia muito da tocada...Com ela hoje não consigo velejar uma perna!

Então, concretamente, para por o mastro no ponto necessitaremos de uma trena metálica e um tensiômetro (prateado de deformação ou preto de mola). Essa regulagem vai fazer andar muito bem tripulações entre 130 /140 kg. Se a trena tiver estado no sol, esfriem-na porque em 7m pode variar uns 2 cm. O mesmo com os tensiômetros, não devem estar quentes.

O BARCO, O MASTRO, AS VELAS

As medidas que uso, aplico em um barco Persson com mastro Sidewinder, velas North.
Ha vários modelos a que uso é a radial SW3.Há 2 grandes radiais, a PR3 mais plana/chata, para ventos de 0 a 15 nós, e a SW3 mais bolsuda, para mais vento.Como disse uso a SW3 que me parece mais versátil, mais cheia no popa  e não é difícil de armar com pouco vento.A PR3  atinge seu limite aos 15 nós quando não  se trava as cruzetas achata muito a ponto de “quebrar’, fazer uma ruga da ponta da esteira a cruzeta. Também se pode usar a “cross-cut” nova que é muito boa e mais ”all purpose”. Tripulações até 135 kg devem optar por PR3 ou M6X (cross cut), já tripulações mais pesadas e em muito boas condições físicas devem escolher a SW3.
Então, para medir o mastro:

Antes de subir o mastro temos de medir as cruzetas. Uma medida razoável é 42,5cm, medidos da lateral com as cruzetas abertas até os estais.Tripulações mais pesadas devem crescer as cruzetas em 1 ou 2 cm.


·         Medir a abertura das cruzetas. Para isso, com o mastro apoiado, fechamos as cruzetas até topar, daí medimos entre estais. Estar entre 74 e 77cm é uma boa medida, eu uso 78 a 80 porem o barco fica mais duro e difícil de levar. Não usem mais de 78 com a SW3 se são leves ou com mal estado físico porque o barco ficará muito duro.Para podermos fazer essas coisas precisamos ter cruzetas reguláveis, e com parafuso de regulagem.Se não temos, corte e coloque parafuso com porca auto frenante para regular abertura.

·         Colocamos o mastro com estais e o cabo da buja. Os esticadores vão ser colocadas mais a proa de modo  permitir o encaixe no casco. Subimos a cinta métrica com a adriça do grande até a posição de navegação, alinhamos o mastro na popa, prebend, deixando livre de ação do frente e trás na enora, deve estar solto, daí damos tensão e medimos caimento x tensão. Especial atenção para diferenças na amarração da adriça na cinta, considerar as diferenças verificadas.

·         Devemos modificar os pontos dos esticadores até obter-se um caimento entre 6,55 e 6,57m com uma tensão de 27 para o tensiometro prateado, 21 para o negro. Sempre haverá um ponto nos esticadores que permitirá essa caimento com esta tensão. (N.T. : os barcos Lemão tem altura de popa menor, cerca de 3,0 cm, para aumentar, ou seja, entre 6,58 e 6,60m).

·         Colocamos a fita métrica paralelo ao mastro, encostando no garlindéu, e comprovamos que o mastro, na altura das cruzetas  foi para frente uns 3 a 4 cm. Se o mastro estiver muito mais que isso, talvez as cruzetas estejam grandes ou demasiado fechadas e vice versa. Essa é uma medida de controle importante em saber que esta tudo bem, e alem do mais, esta em sintonia com a curva da testa que tem os grandes, em particular as da North.

·         Rever a base do mastro. Com esse ponto e essa tensão devemos verificar quanto a frente foi o mastro a proa na fenda da enora.(N.T.: do ponto zero ao inicio da enora 1494mm). Deverá estar afastado entre 1 a 1,5cm. Se o mastro toca na frente, temos que baixar tudo e mover o pé do mastro para trás até que uma vez instalado não toque e se mantenha afastado entre 1,0 e 1,5cm. Se ficar mais que 1,5cm tem-se que fazer o contrario, movendo o pé para frente. O normal, se for um um Persson velho, é que deve-se mover um ponto à frente e nada mais.  Isso é importante porque permite ter o mastro mais a proa  deixa o recurso de precurvar o mastro com pouco vento. O mastro não deve nunca tocar na frente da enora.

      Com caimento, tensão e mastro na posição correta, vamos fazer duas marcas. A primeira na adriça da buja. Pode ser feita no cabo do rake,  dentro do cockpit colocando uma volta de tape no cabo, ou podem marcar no mastro, na saída da adriça no mastro, indicando a posição do nicopress. Eu uso este ultimo, já que navegando é mais visível e a marca do tape, vc olha para frente ao invés de para dentro e para baixo.
·         A outra marca é no convés. Vamos fazer um risco vertical nos dois lados do mastro e uma marca coincidindo no convés, indicando o o lugar na enora onde se encontra o mastro.

·         Essas são as marcas da posição neutra ou base para fazer tudo que segue. Essa regulagem serve desde calmaria até o momento onde, escorando, somos temos de  folgar o grande para levar o barco direito, uns 10 nos aproximadamente. A única alteração que faço é quando o vento baixa para menos de 5 nós; puxo  mastro a frente induzindo prebend, para achatar o grande e abrir melhor a valuma. O mesmo se obtem com mais tensão, porem fica mais difícil de levar. Caso contrario, a menos que aumente o vento, o mastro vai cravado no neutro.

·         Logo, quando aumenta o vento, simplesmente faço baixar, apertar, meio ponto no stamaster dando tensão sempre na mesma marca da adriça. Funciona bem entre 10 e 15 nós. Com mais vento, quando a grande vai solta maior parte do tempo, fazemos o mesmo, diminuímos meio ponto mais, isso é uma coisa que fica complicada, acima de 20 nós, mais meio ponto. Sempre dando na mesma marca da adriça.O mastro vai se encurvando e a tensão aumentando progressivamente.

Ter em conta que ao fletir o mastro teremos de levar o ponto da buja mais  proa (NT.:cassar o barber, nos barcos Lemão), especialmente com mais vento, já que acima de 16 nós o barco anda melhor com a buja um pouco mais solta e ao fletir o mastro enquanto folga a buja, ela ficara muito chata em baixo e muito aberta em cima, sem potencia. Uma boa relação para acima de 16 nós é que a buja quase toque nos estais e em baixo acaricie levemente o convés sem dobrar. Com mais de 20 nós, levo com a valuma tocando os estais e ainda mais folgado. Recordar que cassar velas sem contrapartida  de escora é o mesmo que freiar, e que ao folgar o grande se espera que se folgue junto a buja, para manter o canal de vento entre as velas.


Depois de baixar dois pontos, só  resta passar os esticadores no ponto mais atrás da ferragem, para proteger o mastro no popa. Ao aumentar o vento  depois de apertar os 2 pontos é hora de utilizar o para trás, mais ou menos 1cm, para que não curve tanto. Neste momento deveremos começar a cassar os cunningham (testa) que deverão estar folgados com algumas rugas na buja e todas possíveis no grande.

Com isto o barco vai andar bem e será maneável. Recordem-se sempre que é um barco duro, prefiram com vento sempre soltar o grande, soltar o excesso de pressão não é ruim, é o padrão. Com calma busquem velocidade e ângulo de orça. Um barco lento não orça NUNCA.


Velejem  se sentindo CONFORTÁVEIS...


Como ultimo comentário, e voltando ao principio da nota, creio que o melhor conselho que posso dar é que naveguem de modo confortável. Muitos copiam as regulagens dos brasileiros e compram suas velas, esquecendo que elas são para pessoas que velejam 100 dias por ano, são profissionais e se tratam como atletas. Usem suas regulagens e terão um barco com potencia incontrolável e difícil de levar, por conseguinte, mais lento.

Esta regulagem é um pouco mais relaxada, o barco será muito maneável e terá o mastro bem a proa, o que é bom no popa. Hoje as regatas se ganham no popa. A diferença entre o mais rápido e o mais lento num contravento, falando em velocidade, pode chegar a 4 comprimentos e num popa a 50 metros.

Esta regulagem lhes dará um ponto de partida que vai permitir ser competitivos em qualquer situação. O barco é manhoso, as vezes tem dias que sinto não ter a velocidade que quero,  a primeira coisa que faço é voltar ao ponto zero, o básico que tenho sempre marcado ainda que em geral ande um pouco mais no limite. Se estou  cansado ao final do dia e sinto que não estou levando bem o barco, com pouca sintonia com a tripulação ou com qualquer coisa que me faça sentir incomodado, volto a esta regulagem de barco fácil, que me dará uma velocidade media muito boa.

Espero que sirva de ajuda para serem mais velozes. Para qualquer duvida podem me consultar diretamente em luis.soubie@northsails.com



Bons ventos e até breve!

Luis Soubie

(1) A ultima serie de mastro Lemão esta sendo considerada, pela maioria dos velejadores de expressão na classe no Brasil, como superior aos SWs.

(2) Pinchar - ato de tocar o barco forçando a orça, arribando para pegar velocidade e jogar na orça o que der ate perder velo, dai, retomar seguidamente.